Um episódio
“Diversas linhas de identidade entrançavam-se em Ahmed Abakar. Era um africano cor de café, com um tufo de cabelo branco no queixo. Pertencia ao masalit, uma das tribos de agricultores africanas expulsas pelos janjaweed, os nómadas árabes armados pelo governo do Sudão dominado por árabes. Ele detestava árabes e, contudo, exprimia-se em língua árabe. Também servia chá açucarado em copos pequenos de dose individual, como um árabe, vestia-se com uma túnica árabe e rezava cinco vezes por dia voltado para Meca.”
Outro episódio
“ Chamava-se David. Com a cabeça queimada pelo sol, os olhos coruscavam de determinação. Era um veterano do exército norte-americano, acumulando 16 anos de experiência (...) «A arma, esqueci-me da arma» disse, lembrando-se de que não podia levar a pistola para uma cerimónia de conversão. Acabou por escondê-la debaixo do assento do veículo. O imã estava sentado de pernas cruzadas debaixo de uma ventoinha que zunia. Um televisor murmurava as incidências do mais recente jogo de futebol entre o Lyon e o Real de Madrid. O imã instruiu David no sentido de repetir três vezes a shahadah e fez-lhe uma longa prelecção sobre os cinco pilares da fé, em songhai e em francês. «Não consegui perceber tudo» disse David. Meia dúzia de jovens malianos tiravam fotografias com os telemóveis. Tremiam de excitação. Um centurião da era moderna a abraçar Alá na exótica Tombuctu era um espectáculo a que se assistia uma vez na vida. Ali quase tudo parecia possível (...) Gostei imenso do imã. Estava morto por assistir ao fim do jogo de futebol.”
Reportagem “Perdidos no Sael”, texto de Paul Salopek, National Geographic Portugal, Maio 2008
“Diversas linhas de identidade entrançavam-se em Ahmed Abakar. Era um africano cor de café, com um tufo de cabelo branco no queixo. Pertencia ao masalit, uma das tribos de agricultores africanas expulsas pelos janjaweed, os nómadas árabes armados pelo governo do Sudão dominado por árabes. Ele detestava árabes e, contudo, exprimia-se em língua árabe. Também servia chá açucarado em copos pequenos de dose individual, como um árabe, vestia-se com uma túnica árabe e rezava cinco vezes por dia voltado para Meca.”
Outro episódio
“ Chamava-se David. Com a cabeça queimada pelo sol, os olhos coruscavam de determinação. Era um veterano do exército norte-americano, acumulando 16 anos de experiência (...) «A arma, esqueci-me da arma» disse, lembrando-se de que não podia levar a pistola para uma cerimónia de conversão. Acabou por escondê-la debaixo do assento do veículo. O imã estava sentado de pernas cruzadas debaixo de uma ventoinha que zunia. Um televisor murmurava as incidências do mais recente jogo de futebol entre o Lyon e o Real de Madrid. O imã instruiu David no sentido de repetir três vezes a shahadah e fez-lhe uma longa prelecção sobre os cinco pilares da fé, em songhai e em francês. «Não consegui perceber tudo» disse David. Meia dúzia de jovens malianos tiravam fotografias com os telemóveis. Tremiam de excitação. Um centurião da era moderna a abraçar Alá na exótica Tombuctu era um espectáculo a que se assistia uma vez na vida. Ali quase tudo parecia possível (...) Gostei imenso do imã. Estava morto por assistir ao fim do jogo de futebol.”
Reportagem “Perdidos no Sael”, texto de Paul Salopek, National Geographic Portugal, Maio 2008
(mesma fonte, p35 - a chover no deserto)
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